ta aí mais um pra não deixar ninguém com saudade (agora, só vou conseguir postar aos domingos mesmo) boa leitura! (depois de exaustivas 3 horas escrevendo, Goott!)____________________________________________________________________________________________________________
Capítulo 20
Minhas Lições
Acabei aprendendo que a recuperação, é um processo estressante e lento.
Da última vez em que havia me acidentado, foram alguns meses de coma, e uns poucos dias depois disso.
Mas na situação atual, eu havia passado dentro de um moedor de carne, e por algum tipo de acidente, havia ficado viva, e estava com um ser pequeno dentro de mim na mesma condição.
Passei por duas sessões de raspagem na perna. Ainda havia tecido grudado em minha pele. Dois enfermeiros me seguraram na maca, enquanto o chefe da ala dos queimados colocava as luvas.
Eu sinto muitíssimo, mas vai doer.
Ele mentiu. Tudo o que eu já havia sentido foi muito além da definição de dor. Há momentos em que aquela loucura toma conta do raciocínio, e eu só percebo que tudo acabou depois de horas. Me disseram que eu ainda delirava mesmo depois da morfina.
No início, meu organismo tinha me protegido da dor, mas agora eu havia sido entregue a ela. Não podia tomar os antibióticos mais fortes, que iam me ajudar – a química dos remédios mataria meu bebê. Então eu suportava. Eram noites e dias intermináveis, engolindo a dor em doses cada vez mais altas, até perder os sentidos, só para acabar no mesmo estado, ou pior. A febre constante mostrava meu corpo lutando para ficar vivo. Por causa da gravidez, eu estava mas frágil que um vaso de cristal, e sentia mais dor que se tivesse sido crivada de balas. Respirar era excruciante. Mover um dedo era sinal de tortura. Morrer era preferível à vida.
Então, eu olhava para o lado, e lá estava ele. O que havia sido gerado de um amor que eu não fazia ideia se ainda existia. Meu bebê estava lá, se movendo, crescendo, me implorando para suportar por ele, para ele.
Nas noites em que eu conseguia dormir por mais de duas horas, eu sonhava. Sonhava que caminhava numa praia de areia branca e oceano muito azul. Sonhava que tinha meu bebezinho nos braços, eu podia sentir seu corpinho quente, seus bracinhos se agitando, sentia meus lábios lhe enchendo de beijos.
Então, o pai dele aparecia no horizonte, caminhando na nossa direção. Eu podia sentir seu sorriso me queimando, mesmo a quilômetros de distância.
Ele nunca chegava a tempo. Eu sempre acordava.
Os médicos que cuidavam de mim notaram uma sensível melhora na coordenação do raciocínio, da coordenação motora. Eu já conseguia administrar a dor com um pouco mais de sucesso.
Mas mesmo com a melhora, eu sentia medo. Sentia que de alguma forma, aquele sonho ia se realizar – ele não estaria lá a tempo. Eu não voltaria a tempo. Então, comecei a enchê-los de perguntas, sobre como Bill estava.
Eu não recebia as respostas.
Na verdade, fora as perguntas sobre o meu tratamento, nada mais me falavam. Segundo eles, era para me poupar. Eu estava completamente isolada do mundo, de um mundo que vivia minha morte. Eu só queria saber se ele ainda respirava.
- P-p-p-ff... avor... - eu implorava.
A doutora Ester pegava minha mão, e me pedia força. No fim, tudo ia ficar bem.
A cada segundo, eu sentia que a palavra bem se afastava de mim.
Então, num dia gélido onde o sol ficou escondido sobre as pesadas nuvens, Birget voltou. Ela estava sorrindo, e me agarrei aquela esperança. Mesmo com a dor, pedi para que aumentassem a inclinação da maca, para que eu pudesse ficar mais sentada que deitada.
Náuseas profundas me acometeram, eu ficara muito tempo numa posição só. Eles tentaram tirá-la do quarto, mas eu não permiti. Eu tinha que saber.
- Me disseram que você está melhor.
- Mmmm... muita ddor. Ants...
- Eu não queria saber como você sofreu, mas vai passar, eu juro. E então, o que acha de seus médicos?
- Es-ester... paccient.
- Ela é mesmo, um amor de pessoa.
- Vic... alegrre. Mu-muito.
- Aham! Ele gosta de torturar os pacientes com piadas, é uma comédia.
- Valn... frio.
- Não é nada pessoal. Ele passou por certos traumas no passado, ainda permite que o afete.
Ela olhou para a porta fechada, passando a língua no lábio. Depois, olhou incisivamente para mim.
- Preciso que guarde um segredo. - Ela retirou um celular do bolso.
- Hum?
- Tom me pediu para ligar. Ele quer falar com você.
Senti que o sangue fugiu do meu rosto.
- Ele e os contatos na polícia... por enquanto, eu e Tom somos os únicos que sabemos que você está viva. Ele está no Canadá com a Cris... estão recebendo seu testamento. E acho que é a melhor pessoa para te explicar as coisas.
Ela digitou o número, e esperou a chama se completar no viva voz. O telefone tocou duas vezes.
- Tom. - Ele atendeu, numa voz autoritária. Era ele.
- Tomi sou eu. - Birget sussurrava.
- Ah oi! Está aí com ela? - Ele baixou a voz.
- Sim, mas ela ainda não consegue se comunicar normalmente. Mas está ouvindo.
- Oi baixinha! Como você está?
Senti os olhos ficando marejados. Mil lembranças me invadiram a cabeça. Eu quase podia vê-lo, com seu sorriso mágico, seus olhos ficando ainda menores, a língua raspando no metal do piercing. Tom, o eterno adolescente. Como eu sentia falta dele.
- Ooi – me forcei a responder.
- Hei, veja se melhora essa voz e fica bem logo pra voltar pra casa. Quero cuidar do meu sobrinho!
- Ainda nem sabemos se é menino ou menina, garoto! - Birget o lembrou.
- Ah, se for menina, vai nascer com 4 seguranças. Esperem...
Deu para ouvir seus passos, sobre um piso de madeira.
- Pensei ter escutado Cris... aliás, estamos no seu apartamento em Calgary, Glorinha. Que lugarzinho maneiro esse!
- Haa...! - Tentei sorrir.
- Olhe, deve estar preocupada com o carinha. Ele saiu do hospital, mamãe está tomando conta dele essa semana por nós. Não dá pra dizer que ele está cem por cento, e sabemos como Bill finge mal, péssimo mentiroso... eu não quero preocupar você, mas não demora a voltar, tá? Estamos com medo dele ficar sozinho e fazer alguma besteira. Ele está muito depressivo. Você faz muita falta, baixinha. Estamos com saudades. Eu sei que as coisas não acabaram bem, mas vocês precisam de tempo para se curar... eu tenho que desligar, a Cris acordou. Te amamos, volta logo.
E ele desligou.
Passei um dia simplesmente muda. Tom tentou de todas as formas disfarçar a preocupação, mas a situação era clara: eu tinha que voltar, mesmo que não quisesse. Eu precisa salvar minha vida, pra salvar a vida do meu filho e do pai dele.
A dor e as dificuldades eram grandes. Mas eu era maior que elas. Já havia ficado um bom tempo num hospital uma vez, eu havia chorado até não poder mais. Agora, nenhuma lágrima mais ia cair do meu rosto. Finalmente, pedi para saber do meu prognóstico.
A situação mais delicada era do bebê. Eles me alertaram sobre o interrompimento da gravidez, eu tinha um grande risco de morrer. Ele seria um prematuro, teria de ficar meses fora de mim numa incubadora, respirando com a ajuda de aparelhos. Nada podia ser feito para garantir que tudo desse certo. Mas tudo tinha dado certo até ali, e ia continuar assim. Com a ajuda da doutora Ester segurando minha mão, eu assinei os papeis concordando com o risco de prosseguir a gravidez.
Nunca havia me sentido tão corajosa depois daquilo. Passei o resto do dia olhando para aquele monitor, sorrindo, sabendo que não importasse o futuro, aquele bebê ia ter uma chance de viver. Eu daria a minha vida por isso.
Foi a primeira vez que senti que transmitia a ele meu amor de mãe.
Esse amor foi meu combustível para os dias seguintes. Foram feitos diversos testes na minha coluna, até que tivessem certeza que eu teria sustentação para ficar sentada. Foi tão difícil quanto empurrar um piano numa ladeira, mas tão gratificante quanto. Tremendo, e ignorando a dor gritante, eu passei as expectativas de todos, e consegui me sustentar com 20 segundos, sentada. Vi os olhos frios do doutor Valen finalmente com um brilho novo, de esperança.
É claro, as recaídas aconteceram, assim como as longas sessões de enjoo e vômitos pela gravidez. Aprendi que reclamar só piorava a situação, e tudo o que eu tinha no momento para viver, era manter o pensamento positivo, respirar fundo, e ter concentração. O psicólogo da clínica vinha me visitar de tempos em tempos, e tentava se compadecer, me levar a me compadecer da minha situação. Eu respondia que não tinha o porque de chorar, eu estava viva, e sendo tratada, tudo ia dar certo no fim.
Ele classificou meu estado psicológico como negação.
Eu o classifiquei como um idiota completo. Somente me virei para a enfermeira que ia me ajudar na sopa do almoço naquele dia, já planejado os treinamentos para alcançar a garrafa de água sem ajuda.
Naquela mesma semana, uma enfermeira se ofereceu para me trazer um espelho. “Você deve estar curiosa para saber como está”, disse. Pensei bem sobre o assunto, e recusei no fim. Me ver com cara de doente não ia ajudar muito, e pela dor que sentia no rosto, sabia que ainda havia uma cicatriz feia se fechando. Sem falar do modo que eles evitavam me olhar diretamente.
No fim do expediente, o doutor Valen veio me ver, sozinho. Ele fez os exames de sempre – eu continuava sem enxergar e sem ouvir do lado esquerdo. Mais uma lição que aprendi: estava numa recuperação. Mas não significava que haveriam perdas. Eu me sentia abençoada por ainda ter a chance de ver meu bebê nascer e crescer.
- Falei com o doutor Cheng, seu psicológico. Ele disse que você está resistindo as terapias. Porque?
- Psicóllgos... só sabm explorar lágrms... eel não vai conssguir iss de mim.
Ele sorriu. Foi breve, e quase imperceptível, mas foi a primeira vez.
- Eu tenho a mesma opinião. Quer saber? Só mostra o quão bem você está. Vocês dois.
- Como ssstá meu cérebro?
- Se regenerando. Foi como te dissemos, você perdeu massa encefálica, alguns traumas vão ficar, mesmo depois dos meses iniciais de fisioterapia, ou depois de anos... nós médicos, fazemos de tudo para garantir a vida. Isso traz consequências. Mas nada que alguém tão forte como você não supere.
Ele tentou medir minha febre, mas o impedi, conseguindo pegar uma de suas mãos. Analisei as palmas, as pontas dos dedos... ele tinha cicatrizes de queimaduras as mesmas que a doutora Ester. Ele retraiu as mãos, como se tivesse vergonha.
- Porq...?
Ele não respondeu. Só terminou de atualizar meu prognóstico e saiu do meu quarto, com o queixo trincado.
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até o próximo fim de semana! beijinhos!!