That Day - Duas irmãs, um segredo.

Aquele Dia

A chuva cai
Ela não toca o chão
Lembro-me de uma casa vazia
Você diz que estou inteiro, mas ainda me sinto destruído
Destruído

Luzes acesas, luzes apagadas
Nada funciona
Estou legal. Estou ótimo. Eu sou um idiota
Eu me alimento de mentiras
Com palavras não ditas
Vai ficar ok, vai ficar ok
Um dia, um dia

Aquele dia nunca chegou
Aquele dia nunca chega
Não estou deixando partir
Continuo esperando
Todo mundo diz que o tempo cura a dor
Estive esperando para sempre
Aquele dia que nunca chegou

Você disse que eu estaria voltando para casa
Eles disseram que ele está bem sozinho
Os gritos na minha mente
Eu os mantenho em segredo...
Um segredo
Os médicos e suas promessas
Videntes, curandeiros, visitei os melhores
O que quer que eles vendam, com certeza sabem como negociar
Vai ficar ok, vai ficar ok
Um dia, um dia

Vai ficar ok, vai ficar ok
Um dia, um dia

Abri os olhos, depois de um longo sonho, mexi meus braços, mas eles não saíram do lugar, olhei em volta de mim e só o que pude ver era o clarão, fios...

_ Enfermeira! Enfermeira VENHA! - alguém gritou.

Logo me vi diante de várias pessoas, todas vestidas de branco, pegando em meu corpo, me medindo, eu não conseguia falar, abria minha boca e a voz não saia. Em segundos dormi novamente.

Senti um cheiro, cheiro de café...eu não me recordava do gosto, mas o cheiro...o cheiro me lembrava algo, mas o que? Eu não consegui acordar para me lembrar, a escuridão era constante, eu não conseguia ouvir direito, apenas vozes de crianças, bem de longe. O cheiro se foi, o som também...e assim que se foram os meus olhos se abriram, estava claro, um sol bem fraco sobre meus pés, minha posição era rotineira, eu não tinha como me mexer, estralei meus dedos, e logo ouvi uma voz do meu lado, uma voz fraca, sensível.

_Você acordou! – eu não conseguia emitir sons. – Não fale nada, não quero que se canse.

Virei minha cabeça de lado, e vi aqueles belos olhos azuis e grandes lacrimejando, ela era linda, branquinha, os cabelos castanho claro, os lábios grandes, e mãos...suas mãos passaram sobre meu rosto, eram macias. Quem era ela?

_ Não sabe como eu esperei por esse dia! Minha vida parou sem você, não vejo a hora de podermos conversar, tenho tantas coisas pra contar, eu te amo minha irmã.

Pronto, ela respondeu sem eu perguntar. Ah como eu queria poder falar, minha cabeça estava rodando, e de repente começou a escurecer, só pude ouvir um barulho de aparelhos apitando, logo adormeci novamente...Durante meu sonho pude ver flash backs de muitas coisas, pequenas, mas ela estava lá.

Acordei um tempo depois, e me vi sem os aparelhos, ao sugar o ar percebi uma ausência de limitação, parecia que todo ar do mundo estava entrando em meus pulmões, uma sensação de bem estar profunda, e ao levantar meus braços, emiti um som, um som de alguém se espreguiçando, e ela veio novamente em minha direção, sorrindo.
*

A primeira conversa.

- Bom dia Bela Adormecida. – ela deu um sorriso brilhante.

- Olá – eu estava rouca. – Minha cabeça está a mil.

- Os médicos disseram que estaria, mas prometeram que logo voltará a ficar como antes.

- Eu espero, mas não me recordo de muitas coisas.

- Sou sua irmã, se lembra?

- Não, me lembro de miseras coisas.

- Logo se lembrará Lisa. – ao mencionar Lisa ela me fez lembrar de nomes.

- Lara! Abrace-me.

Ela abraçou-me tão forte, ficamos por minutos daquele jeito, meu corpo doía. Eu a soltei, parecia que nós nunca tínhamos nos abraçado antes.

- Lis, algum problema?

- Meu corpo dói, parece que acabei de ser pisoteada por elefantes.

- Deite-se um pouco.

- Lara, o que aconteceu comigo?

- Não se lembra?

- Não, essa noite sonhei com um dia, não consigo me lembrar de nada, somente de um dia, e isso passa na minha cabeça constantemente.

- Um dia? Qual dia?

- Não sei exatamente, eu saberia te dizer tudo ao acordar, mas agora não, as lembranças vão se apagando.

- Não quero que se esforce.

- Tentarei lembrar, me de um papel antes de eu dormir.

- Ok meu anjo.

- Quando sairei daqui Lara?

- Não sei, tem que fazer alguns exames, mas agora, depois de tudo, alguns dias não serão muito.

- Depois de tudo?

- Lisa durma.

- Me fala Lara, estou com alguma doença grave? Eu não consigo me lembrar de nada, mal consegui lembrar meu nome.

- Lisa, você esteve em coma. – eu congelei.

- Coma?

- Sim, coma. – ela começou a chorar.

- Quanto tempo?

- Dois anos, duzentos e trinta dias, dezessete horas.

As palavras dela me fizeram parar de falar, eu não acreditei, meu coração disparou, então o ar me faltou, em segundos eles vieram de novo, e dessa vez eu não adormeci, eu pude ver tudo, eles me ajudaram a voltar a respirar e me deram algum calmante pelo soro, olhei na minha mão e ela estava roxa, cheia de pequenas agulhadas, minhas unhas estavam impecáveis, mas o que mais me chamou a atenção foi a forma da minha mão, elas eram idênticas a dela, de Lara.

Ao me acalmar pude ouvir o que os médicos me diziam, eu havia ficado em coma por quase 3 anos, por algum acidente que eu sofrera de carro, eles não deram detalhes, queriam que eu dormisse, como eu podia dormir? Eu dormi por quase 3 anos. Passei a noite acordada, com os olhos pregando com medo de dormir, dormir e não acordar mais...

Após o susto que Lisa havia nos dado ao perder a ar logo tudo se instabilizou, eu fui então a cantina comer algo, ele não estava lá, alias ele não estava em lugar nenhum, desde o dia em que ela deu o primeiro sinal de vida ele não apareceu lá. Aquilo me preocupava. Ao voltar ao quarto, já era de madrugada, ela me olha...

- Ainda está acordada meu amor?

- Não quero dormir Lara.

- Porque? –lagrimas saíram de seus olhos.

- Tenho medo...de não acordar nunca mais.

- Não vai acontecer isso. – eu a abracei.

- Levante-se um pouco, vamos dar um voltinha no quarto pra você se acostumar novamente. - ela silenciou.

Pela manhã as enfermeiras tinham feito algumas massagens e movimentos com as pernas dela, assim como com os braços , isso era feito todos os dias, a sensação de vê-la como morta sendo movida por outras pessoas me deixava triste, elas diziam ser necessário para o funcionamento do corpo, um corpo parado não é bom. Durante todo esse tempo eu cuidei dela, ajudava no banho, sabia os dias que ela menstruaria, fazia suas unhas, seu cabelo, sua pele, era como uma boneca que eu trocava mas ela não falava...

- Lara...vou andar.

- Eu ajudo. –ela tentou se levantar, mas logo voltou.

- Não consigo, dói muito.

- Deixe quieto, faça movimentos com seus braços. – ela ficou mexendo os braços durante a conversa.

- Lara, quero sair daqui, quero me lembrar das coisas.

- Não se lembra de nada mesmo? Nem dos nossos pais?

- Não consigo.

- Er... – ‘o que eu faria? Falo sobre ele?’

- Me conte por favor.

- Seus pequenos?

- Meus pequenos? – ela ficou parada, não sei o que pensava. Como não se lembrava de seus próprios filhos?

- Sim Lis, Breno e Mike.

- Meus filhos! - os olhos dela se encheram de lagrimas.

- Sim, seus filhos.

Me doía falar isso, já que eles estavam tanto tempo sobre meus cuidados, que eu os considerava como meus.

- Quero vê-los, onde estão, com a nossa mãe?

- Não Lis, eles estão com Bill.

No momento em que eu falei Bill ela se congelou, ficou muda, seus olhos demonstravam terror.

- Bill?

- Não se lembra de Bill?

Ela desmaiou. Eu chamei as enfermeiras, que lhe deram remédios e disseram que ela dormiria até no dia seguinte, aquela conversa estava encerrada. Bill havia sumido, e as crianças junto, tentei ligar pra ele, em vão...

Narração de Lisa

Consegui abrir meus olhos novamente, depois de muita luta, eles estavam doendo, eu havia sonhado novamente com aquele dia, olhei para o lado e vi Lara deitada dormindo em uma outra cama, peguei o papel e a caneta que estavam sobre minha mesa do lado e comecei a escrever, coloquei tudo do meu sonho, durante um bom tempo até um enfermeira chegar com uma bandeja.

_Hora do Café!

Eu coloquei o papel sobre a mesa, e tomei o café, tentando não fazer barulho. A enfermeira me ajudou, e logo que acabei eles me colocaram em uma maca e me levaram pra outra sala, Lara ficou lá dormindo.

Chegamos em um lugar fresco, com um cheiro de cloro, estávamos na piscina. Elas me colocaram em uma cadeira de rodas me levaram ao banheiro e me colocaram um maiô, ao me olhar no espelho levei um susto, não podia acreditar no que via, nós não tínhamos nenhuma diferença...