The Dream

- Você está um charme nesse uniforme, sister. – Abri a boca, pronta para soltar uma série de impropérios contra Clara, porém, o fato de que nosso chefe acabava de nos dar as costas e sair da pequena sala destinada aos funcionários, me fez ficar calada.
Ela riu de modo contido ao perceber que me deixara furiosa.
Eu sabia que não podia reclamar do uniforme, afinal, vestir aquela saia vermelha e curta significava que eu tinha um emprego. Claro que não era meu emprego dos sonhos, mas era melhor do que o que eu e Clara poderíamos ter arrumado sozinhas. Eu também sabia que só estávamos ali, devidamente empregadas naquele hotel luxuoso, graças à “bondade” de Henry; ele tinha mais influência do que eu e Clara pudemos supor, e isso era bom e assustador ao mesmo tempo.
Apenas me perguntava por que as saias tinham que ser tão curtas?! Isso me irritava. Eu não usava uma saia há anos... Bem, na verdade, eu nunca vestia saia.
Balancei a cabeça, alisando o tecido da roupa.
- Espero que valha a pena... - murmurei com voz quase chorosa.
Clara riu, achando graça da minha atitude.
- Pelo menos você ficou com o trabalho mais interessante... – resmungou com os lábios arqueados em um sorriso, que mais parecia um bico torto.
- HAHA! Muito melhor, claro! – bufei – Arrumar camas de hóspedes e limpar o banheiro deles é com certeza MUITO melhor que servir cafezinhos e interagir com gente rica, né?! – cruzei os braços, contrariada.
Dessa vez ela não conseguiu se segurar, soltando logo uma gargalhada longa, muito longa.
- Dane-se. – Apertei as mãos sobre o carrinho com utensílios de limpeza, na intenção sair dali e começar meus afazeres. Contudo, Clara, ainda risonha, enfiou-se na minha frente, tentando buscar oxigênio para conseguir me dizer alguma coisa.
Pigarreei, buscando meu autocontrole.
- Pense... No... Dinheiro... – conseguiu dizer, meio rouca e ofegante.
Era só pensar em dinheiro que meu dia ficava mais azul. Se havia algo no mundo que me motivasse, esse algo se chama dinheiro.
Clara saiu da minha frente, e com um sorriso de agradecimento pelo incentivo, sai dali, rumando para o elevador de serviço.

Meu pé direito chocava-se contra o chão conforme minha impaciência crescia. Bufando, escorei-me naquele carrinho cheio de bugigangas, esperando ansiosa o elevador chegar ao andar que eu devia iniciar a limpeza.
Um sorriso desanimado ameaçou sair de meus lábios quando percebia que eu já podia sair, e que um trabalho que não era lá do melhores deveria ser começado...

Desabei na cama enorme e macia, já não agüentando mais de dor no corpo depois de limpar todos os quartos daquele andar, exceto o que eu estava agora.
Suspirei ao sentir meus músculos relaxando; fitei minhas mãos levemente vermelhas devido ao trabalho. Aspirei o cheiro bom daquelas cobertas, tentando prolongar aquela sensação boa... Mas eu precisava levantar, e continuar com meu serviço.
Com um gemido de desânimo, deixei o colchão confortável, voltando minha atenção para todos os cantos do cômodo.
Estranho como tudo ali parecia em ordem, exceto pelas roupas jogadas sobre a poltrona defronte a cama... Aproximei-me do móvel na intenção de dobrá-las, e logo arqueei as sobrancelhas, estranhando o tamanho das peças. Eu só conhecia um ser humano que usava roupas tão grandes... Ri de mim mesma, achando graça do meu pensamento idiota.
Com certeza eu pensara rapidamente nele pelo fato de que, a caminho do hotel, Clara e eu avistamos um cartaz anunciando um pequeno show da banda Tokio Hotel, um concerto do tipo privado, com ingressos ganhos em sorteios e essas coisas.
Ainda com um sorriso debochado no rosto, rumei para o banheiro, onde encontrei quase tudo tão organizado que, se não fosse pelas roupas e a cama desarrumada, eu acreditaria que naquele quarto não havia hóspede nenhum.
Apesar de sentir um pouco de nojo, logo consegui concluir a limpeza daquele cômodo; voltei para o quarto sentindo-me aliviada, pois meu trabalho estava diminuindo.
Mirei mais uma vez a cama, que parecia me chamar; fui a sua direção e, apesar de estar quase sucumbindo à vontade de pular naquele ninho confortável, somente agarrei os lençóis com as mãos trêmulas e depositei-os junto com os demais lençóis retirados dos outros quartos, dentro de um buraco ao lado daquele carrinho monstruoso. Incrível como tudo parecia caber ali...
Balancei a cabeça, rindo novamente de meus pensamentos bobos e um pouco infantis.
Após pegar lençóis limpos, arrumei-os na cama, passando a mão diversas vezes sobre a superfície de agradável contato, tentando deixá-los o mais arrumado quanto fosse possível. Mais uma vez meu perfeccionismo obrigava-me a fazer coisas até ridículas e desnecessárias, mas eu não conseguia olhar para algo que não estivesse perfeitamente alinhado, ainda mais por imaginar os comentários sobre a limpeza do lugar.
Eu queria dar o melhor de mim, sempre, não importando onde e como.
Puxei com força o ar para os pulmões, dando os últimos retoques pelo cômodo. Ao acabar o serviço meus olhos ardiam de vontade de chorar, tamanha minha emoção por ter sobrevivido, e também de frustração, porque arrumar um lugar que você sequer vai usar é um pouco desgastante.
Voltei até o banheiro, dando uma última checada antes fechar a porta dele e dirigir-me até o carrinho e empurrá-lo até a porta de saída para o corredor; porém, antes de fechá-la, fitei novamente o quarto, apenas para revisar se não havia algo esquecido.
Tudo perfeito. Ótimo. Dei meia volta e passei a andar calmamente em direção ao elevador de serviço.
De repente ouvi vozes vindas da outra ponta do corredor, onde o elevador para uso dos hóspedes ficava.
Vermelha de vergonha até o último fio de cabelo, apressei meu passo, até quase iniciar uma corrida. Não queria ser vista, mesmo que eu não estivesse fazendo nada de errado.
Enquanto apertava o botão para chamar o elevador, arrisquei uma espiadela por cima do ombro.
Meu coração quase parou. Senti a garganta seca, e minha respiração ficava a cada segundo mais e mais difícil.
Com a boca escancarada, encarei por longos momentos aqueles dois homens risonhos e brincalhões andando pelo corredor, até então alheios à minha presença. Voltei os olhos para frente, clicando sem cessar no mesmo botão que a pouco eu apertara.
Meu estômago ameaçou doer devido à intensidade dos sentimentos aflorados em mim. Eu ainda não conseguia discerni-los, porém imaginava que fossem uma mescla de surpresa, espanto e uma ansiedade crescente.
Finalmente as portas abriram-se, e sem titubear, empurrei o carrinho com toda a força que eu pude, enfiando-me logo em seguida dentro daquele quadrado apertado, contudo que naquele momento me inspirava segurança.
Ergui a cabeça automaticamente, como que para ter certeza se não fora uma visão devido ao meu cansaço.
Mas não.
Lá estavam eles...
Um com seus olhos verdes intensos fitando-me, surpresos. E o outro com um leve arquear de lábios, que indicavam um sorriso malicioso... Sorriso esse que viajava até seus olhos castanhos e perscrutadores.
Então as portas finalmente se fecharam, permitindo-me soltar o ar dos pulmões que só agora eu percebia estar segurando.

Alisei o tecido do meu avental escuro uma vez mais para parecer apresentável antes de adentrar a cozinha extremamente barulhenta. Ninguém notou se eu estava amarrotada ou não e nem mesmo notariam se eu estivesse usando um vestido curto, com lantejoulas de cor rosa e cheio de frufru. Apenas se prenderam ao triste fato dos meus dois minutos de atraso. É muito pouco para se importarem tanto, francamente.
Uma mulher ruiva, talvez poucos anos mais velha que eu, entregou-me uma bandeja redonda e prateada, tão polida que podia ver meu rosto refletido nela. Tirando minha atenção de algo totalmente irrelevante, ela anunciou que eu deveria me apressar. Já havia hóspedes sentados esperando ansiosamente para serem atendidos. Tão cedo, é. De um modo estranho, a mulher desejou-me boa sorte. Apenas agradeci antes de sair por aquela porta dupla e começar a trabalhar.

Voltei à cozinha. Entreguei o pedido a um rapaz com o chapéu engraçado e larguei minha bandeja em cima de um balcão. Decidi que merecia um descanso mínimo. O salão estava quase vazio e meus pés doíam, não mais do que meu joelho direito que latejava, mas mesmo assim doíam. Sentei-me em um banquinho solitário no canto esquerdo e foi lá mesmo que desabei meu corpo.
Fiquei imaginando como Mia deve estar se saindo. Sei que minha amiga jamais faz as coisas pela metade. Os quarto que ficaram sob seus cuidados devem estar brilhando e, claro, Mia deve estar incrivelmente cansada.
Após sair de meus devaneios, olhei para a ruiva com um ar de derrota. Ela riu e balançou a cabeça.
- Seja forte – falou em um tom amigável, entregando o pedido ao rapaz.
- Estou sendo, o máximo que eu posso – suspirei.
- Acredito – disse aproximando-se de mim. – Você acabará se acostumando.
- Espero – respondi sinceramente, vendo o jovem rapaz arrumar o pedido na bandeja que deixei no balcão.
- Ah, esses hóspedes – resmungou.
- Pois é – arfei. – Eles acordam tão tarde, já está quase na hora do almoço e ainda estão aqui pelo café da manhã!
- Eu sei – riu.
- Se chegar mais um hóspede preguiçoso naquele salão, eu juro que pego a bandeja e mando na cabeça dele.
- Que engraçado – gargalhou.
- Clara – o rapaz me chamou, apontando minha bandeja cheia.
- Se vamos conviver, sugiro que se acostume com meus acessos de raiva – falei levantando-me novamente.
- Tenho certeza que me acostumarei, contanto que não faça mesmo o que disse...
- Não se preocupe – peguei a bandeja. – Se eu for descontar em alguém, desconto na minha sister – ri de mim mesma. Se Mia estivesse aqui, bateria minha cabeça na parede.
Segui para fora da cozinha, equilibrando uma xícara de café, dois copos de chá gelado e algumas fatias de torta sob a bandeja redonda. Avistei as três mulheres, nota-se que todas já estão em idade avançada. Uma delas usava pérolas e mais pérolas enroladas em seu pescoço quase murcho. Outra vestia um casaco diferente, chamativo, na cor roxa. Enquanto a terceira, a mais velha, suponho, apenas usava uma roupa clara e um lencinho florido no pescoço. Aproximei-me da mesa, que era uma das mais afastadas por sinal.
Comecei a servir as três senhorinhas. Coloquei primeiro as fatias de torta doce e depois o chá gelado para a mulher das pérolas. Depois que eu já havia colocado a xícara de café na mesa, a senhora mais enrugada disse que o café era dela. Bufei baixo e, ao mesmo tempo, dei meu melhor sorriso para disfarçar minha frustração. Peguei novamente a xícara branca e coloquei o copo de chá para a senhora de casaco roxo. Dei a volta na mesa para depositar a xícara com o tão esperado café ao alcance da senhora de idade. Todas servidas, desejei bom apetite.
Virei-me velozmente, em direção à cozinha. Foi tão rápido que eu mal percebi o que aconteceu. Apenas quando ouvi o barulho da bandeja no chão, que eu acordei para minha falta de jeito. Esbarrei, com mais força do que eu achava que tinha, em um rapaz.
Não. Não era um rapaz. Era o rapaz.
Não consegui me desculpar, não consegui me abaixar para pegar a bandeja, não consegui desviar os olhos da face dele. A face que está a menos de um metro de mim é a mesma face que eu olhava em fotos. É a face de uma das pessoas que me fez vir até aqui.
Bill Kaulitz frente a frente comigo.
- D-desculpe – me apressei em dizer quando finalmente percebi que fazia papel de idiota.
- Não foi nada – deu de ombros e ameaçou abaixar-se para pegar a bandeja, mas eu fiz isso antes dele. Minha respiração foi ficando irregular. Quando eu disse que acertaria um hóspede com a bandeja, eu não falei sério, eu não queria. – Você está bem?
- Claro! – quase gritei. Ele soltou uma risadinha contida, o que fez com que eu me sentisse ainda pior. – Ai, droga.
- Clara – ouvi meu supervisor resmungar ao se aproximar de nós. – Desculpe por isso, sr. Kaulitz.
- Não, não. Está tudo bem – balançou a mão antes de voltar a olhar para mim.
- Isso não voltará a se repetir – o supervisor disse ríspido.
- Não, mesmo – assegurei com a voz trêmula. Apertando a bandeja contra meu tronco.
- Hm, ahn, eu tenho que ir – Bill falou de forma enrolada e um pouco baixa, dando um passo para trás. – Tchau, Clara – falou antes de se virar e ir embora.
- E-ele sabe o meu nome – murmurei, incrédula, para mim mesma.
- Sabe e depois daquela pancada, tenho certeza que jamais esquecerá!
Não me importei com o comentário infeliz. Precisava sair dali.
Corri de volta para a cozinha. Joguei a bandeja no balcão do canto, mas acho que acabou caindo no chão. Não voltei para olhar. Nem mesmo ousava a piscar. Berrei que já voltava e saí pelos fundos, pelo mesmo lugar que entrei.
Necessito encontrar Mia, contarei logo a ela. Antes que eu esqueça algum detalhe crucial, antes que eu desmaie.
Corri para o elevador de serviço. Nem que eu tivesse que olhar cada quarto desse hotel, eu tenho que encontrá-la.
Dei um tapa forte no botão para chamar o elevador. A ansiedade estava estourando dentro de mim. Estava exasperada para contar a Mia sobre o momento mais feliz e constrangedor da minha vida. Para isso, precisava subir até os quartos e caçá-la, mas a porcaria do elevador está tão lá em cima e o ponteirinho está girando tão devagar. Parece, sim, que o elevador está mais lento por conta da minha angústia.
- Anda sua bosta enferrujada – comecei a xingar o elevador de desespero. Talvez assim, ele descesse mais rápido. – Vamos, só mais dois andares.
E pensar que tinha de esperar o elevador descer para depois ter que subir todos os andares novamente. Olhei para a escada de modo sugestivo, mas só estava faltando um andar, não há essa necessidade.
A porta abriu-se. Sem nem pensar, praticamente mergulhei de cabeça, mas na verdade fui impedida por um carrinho. O carrinho da limpeza. Mia!
- Estava indo atrás de você – falamos juntas. Com sinceridade, eu berrei e ela murmurou.
- Ah, fale você primeiro então – dei de ombros. – Não, não, não! Primeiro eu! Com certeza o que eu tenho para te dizer é muito mais importante – cantarolei. Mia praticamente se arrastou para fora do elevador, empurrando o carrinho. – Nossa, você está um caco, mesmo – suspirei.
- Eu só estou... Um pouco... Você sabe, chocada – murmurou, sentando-se em um banco de madeira perto.
- Bem, prepare-se para ficar ainda mais chocada – anunciei, sentando-me ao seu lado. – Tokio Hotel está aqui! – Mia virou seus olhos para mim e sorriu de canto.
- É.
Ela estava estranha. Não houve grito, nem comemoração. Aposto que a ideia de invadir o quarto deles só se passou em minha cabeça dessa vez. Apertei os olhos para minha amiga, ela se manteve calada e pensativa. Seus olhos oscilavam de apertados para quase totalmente arregalados em questão de segundos.
- O que houve com você? – arfei. – É o Tokio Hotel... T-O-K-I-O... H-O-T-E-L! – terminei com um berro de reprovação. – Era para você está soltando fogos de artifício pelas orelhas – respirei fundo.
- É que... É difícil de acreditar – sorriu mais uma vez, apertando as mãos.
- Mia, sinc... – ela me interrompeu. Virou-se rapidamente para mim.
- Eu vi o Tom – murmurou, seus olhos brilhando de emoção, pude ver bem. Sua intensidade era tão grande que chegou a me faltar ar.
- Por favor, me diz que você entrou no quarto dele bem quando ele passeava de cueca pelo cômodo – pedi, cruzando os dedos. Mia bufou entre uma meia risada.
- Não, não. Não foi nada disso, idiota. Ele estava no corredor com o Georg – sorriu. De repente, como se voltasse ao planeta terra, minha amiga virou-se para mim. – E então, não vai contar como descobriu que eles estão aqui? – meu sorriso se largueou.
- Esbarrei no Bill – os olhos de Mia pareceram crescer. – Não foi bem um esbarrão, eu golpeei o coitado com a minha bandeja – ela riu.
- Só você faz coisas assim!
- Para com isso – bufei. – E sabe o que mais? Mia, ele sabe o meu nome.
- Como? – perguntou instantaneamente.
- Ele disse, abertamente, meu nome... Tchau, Clara – repeti. – Foi o que ele disse.
- Tem certeza?
- Absoluta – estufei o peito, orgulhosa. – Morra de inveja!
- Tudo bem – Mia se levantou. – Ele pode ter dito seu nome, mas fui eu quem vi dois membros da banda, ok?!
- Não tem importância – dei de ombros. – Vi apenas um, foi mais do que o suficiente.

Andávamos pelo corredor, esbarrando nas paredes enquanto ríamos aparentemente de nada. A felicidade havia tomado conta de nós, claro, e qualquer coisa tirava uma longa gargalhada de ambas. Quem visse assim, dessa maneira, com toda a certeza pensaria que estamos bêbadas. Não, não estamos. É apenas felicidade, acredite.
Empurrei Mia contra a porta do apartamento que, temporariamente, estamos vivendo, fazendo um baque baixo. Ouvimos a voz de um dos rapazes vindo do outro lado da porta. Mia tentou parecer séria e depositou gentilmente um murro no meu braço. Revidei, claro.
Enquanto nos estapeávamos, Chris apareceu na porta. Não preciso nem comentar que ele estava assustado com a cena deplorável que presenciou. Mia segurava meu cabelo, tentando desvincular meus dentes de seu braço.

- Sabe, Clara, se está com fome, fizemos um jantar para vocês – Chris comentou olhando engraçado para mim.
- Isto não é fome – falei afastando o braço da minha amiga.
- Então por que arrancou um bife do meu braço? – Mia perguntou horrorizada.
- Solte-me, por favor – pedi, me referindo a mão de Mia em meus cabelos. Ela o fez. – Pare de frescura, nem mesmo apertei os dentes com força, esse rapaz chegou na hora perfeita e salvou seu braço – falei passando por Chris e dando-lhe dois tapinhas no ombro. – Agradeça a ele.
- Eu não – ela deu de ombros, seguindo-me.
- Você disse que há um jantar?! – perguntei.
- É – Chris respondeu orgulhoso após fechar a porta.
- Vocês o fizeram?
- Claro – respondeu Ucker atrás de Mia. Minha amiga se virou e recuou, estavam próximos de mais, aposto que foi isso o que ela pensou.
- E o que fizeram? Ligaram para a pizzaria?! – perguntei em meio a uma risada.
- Que é isso, gatinha?! – Henry apareceu um pouco atrás de Ucker. – Nos dê um crédito.
- Vocês não são dignos de crédito – falei passando por todos eles. – Muito menos o senhor!
- Eu? – Henry espantou-se de uma maneira fingida. – Pensei que eu fosse seu favorito – sibilou ao se aproximar de maneira perigosa. Perigosíssima, eu diria. Segurou o dedo que eu apontava em sua direção.
- Ah, Henry, nada do que você disser poderá me irritar – falei, desvinculando-me dele e flutuando pela sala.
- Hm, é mesmo? – perguntou de forma desinteressada. – E por que isso? Se é que eu posso saber.
- Não, não pode. Não lhe interessa!
- Ai – murmurou Ucker. – Bem feito, panaca.
- O emprego parece bom, então – Chris falou aproximando-se. – Para tê-las deixado assim, tão felizes.
- Na verdade, não foi o nosso trabalho em si que nos deixou tão alegres – Mia passou por mim e jogou-se no sofá.
- Não? – os três perguntaram juntos.
- Não – respondemos juntas.
- Então o que? – Ucker perguntou brincalhão, sentando-se perto de Mia.
- Talvez vocês jamais descubram – falei simplesmente, com um ar de mistério. Pude ver, impresso nos olhos de Henry, que isso não agradou. Na verdade, a mesma expressão aborrecida era notada nos outros dois também.
- Agora, manda o jantar que eu estou faminta! – Mia quase berrou.

Vimos os três saírem da sala murmurando algo. Nos entreolhamos e sorrimos de forma quase maliciosa.

- Eles estão com ciúmes?
- Acho que sim e isso é ruim – respondi arqueando as sobrancelhas.
- Mas engraçado – minha amiga comentou.
- Ah, disso não posso discordar!

Henry, Ucker e Chris serviram o jantar. Orgulhosos com sua obra de arte gastronômica, fizeram questão de saber o que achamos. Não foi a melhor coisa que comi, sei que Mia concorda comigo, mas dava para aguentar. Pensei que eles possuíam coisas mais importantes a fazer, entretanto, fico feliz que eles tenham feito o jantar. Do jeito que estou cansada, seria capaz de cair na cama com o estômago vazio apenas para não ter que trabalhar mais.

Na manhã seguinte, houve briga para saber qual seria a dupla que nos acompanharia até o trabalho. Chris perdeu. Mia e eu tentamos argumentar, porém, Henry e Ucker fizeram questão de nos levar até o hotel. Foi um pouco estranho. Eles ficaram calados o tempo todo. O único que se pronunciou foi Henry, ao volante, que nos desejou um bom dia de trabalho.
Novamente, devo repetir, foi estranho.
Enquanto nos afastávamos do carro, olhei por cima do ombro. Vi os dois com caras ansiosas, olhando atentamente para nós. Henry com seus olhos claros, apertados em nossa direção, analisando tudo que podia em volta de nós. Ucker, no banco do carona, tinha seu pescoço esticado, de modo que pudesse nos ver. Espera, nos ver? Não, eles estavam procurando algo de diferente por ali.
De uma forma esquisita e engraçada, os dois estavam procurando o porquê de estarmos tão felizes, tenho certeza que é isso.

Mia

Apesar de eu não parar de sorrir e estar aparentando um controle admirável sobre meus atos, por dentro eu estava explodindo de tanta adrenalina. Meu coração batia a cada segundo mais depressa, e meu estômago revirava-se como se houvessem milhões de borboletas dentro dele.
Eu estava me sentindo muito estranha. Ao contrário do que eu aparentei, minha vontade era sair correndo e nunca mais voltar naquele hotel.
Eu não estava com nem um pingo de vontade de entrar novamente no quarto deles... E a possibilidade de outro encontro inesperado me deixava com a garganta apertada, não por ansiedade, e sim por medo. Puro medo de vê-los novamente.
Sei que minha reação não deveria ser essa. Mas eu não podia controlar.
Queria me esconder... De jeito nenhum eu poderia deixá-los me ver novamente.
Tentei a todo o custo trocar de andar com outras faxineiras, mas nenhuma concordou. Elas me olharam estranho, como se meu pedido fosse impróprio ou duvidoso. Eu não iria contar meus verdadeiros motivos, por isso aleguei que meu interesse em trocar de andar era estritamente por curiosidade de como eram os outros quartos. Sei que foi besteira usar isso como argumento, e percebi isso assim que uma delas me respondeu de uma maneira curta e direta que todos os quartos são iguais. Depois disso fiquei calada, era melhor não ser motivos de fuxicos por ali, eu precisava manter uma imagem impecável se minha intenção era continuar trabalhando no hotel.
Com esse pensamento consumindo minha mente, comecei meu trabalho nada agradável.
Agora, sabendo que eles estão aqui, analisei os quartos como se fosse uma detetive e os imóveis fossem a cena do crime. Procurei vestígios que pudessem me indicar em qual quarto os outros três estavam, visto que eu já havia descoberto o do Tom. Senti um arrepio ao me lembrar disso. Sentindo-me sufocar, resolvi deixar o quarto dele por último. A coragem de entrar lá realmente me fugiu, cheguei a cogitar a hipótese de pular o bendito quarto, porém não seria nada profissional de minha parte fazer isso.
Como se fosse de propósito, uma pegadinha do destino, reparei que o quarto onde eu acabara de entrar tinha como hóspede ninguém menos que Georg Listing.
Com a boca escancarada, toquei levemente em suas roupas sobre a cama, meus dedos trêmulos traçando um caminho pelo jeans da calça. Eu tinha certeza que aquelas roupas eram do baixista, e se eu ainda tinha alguma dúvida, ela foi sanada assim que bati os olhos numa foto pequena deixada sobre a mesinha ao lado da cama, onde ele abraçava uma mulher linda e jovem. Balancei a cabeça, com um sorriso idiota brotando nos lábios. Aquela era a namorada dele. Eu agora conhecia a imagem da sortuda “namorada invisível”.
Quase não me agüentei de tanta felicidade e espanto ao mesmo tempo. Tudo tão surreal!
Tentando controlar o choque, tratei de me apressar na limpeza; mantinha meus olhos atentos à porta, e meu coração quase parava a qualquer barulho, por mínimo que fosse.
Assim que concluí meu trabalho naquele quarto, sai cuidadosamente para o corredor. Olhei para os lados como quem se prepara para atravessar a rua, apenas para ter certeza se não vinha ninguém.
Pousei a mão no peito numa tentativa frustrada de acalmar as batidas do meu coração. “Não tem ninguém aqui, sua idiota! Anda logo”
Respirando profundamente um trilhão de vezes, levei a mão ao trinco da porta. Do último quarto. Do quarto dele.
Eu não parava de tremer, droga! Estava perdendo a compostura.
Cerrei as pálpebras, inspirando e expirando lentamente. Assim que consegui parecer um pouco normal, girei a maçaneta e entrei de uma vez, meio que para aproveitar a faísca de coragem acesa em mim.
- Pensei que não viria mais. – Uma voz grave soou atrás de mim.
Todos os pelos do meu corpo se arrepiaram; senti minhas pernas amolecerem como gelatina, para logo após eu congelar ao perceber que não estava sozinha.
Virei-me devagar até ficar de frente a ele, que estava sentado em uma das poltronas.
- Você não deveria estar aqui... – pronunciei lentamente, de modo que pudesse esconder o nervosismo que tomava conta de cada fibra do meu corpo.
- Hummmm... – Pareceu refletir, enquanto me observava de uma maneira estranha. – Pensei que talvez você quisesse companhia – seu sorriso torto quase me fez correr até si e atirar-me em seus braços. Droga! Precisava manter o ar distante, era minha única arma contra seu charme quase irresistível.
- Se você quiser lavar o banheiro enquanto eu arrumo e limpo o quarto aqui, eu ficaria agradecida. – Repliquei com sarcasmo e um sorriso matreiro nos lábios.
Para minha surpresa, Tom começou a rir alto. Muito alto. Mas não era um riso de zombaria; era uma risada de quem havia achado graça de algum comentário, um riso cúmplice. Aquilo me deixou mais confortável, e eu não sabia explicar o porquê.

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