Secret Instinct

Manhã. Sol. Luminosidade. Tudo o que odeio. Levantei do meu colchão d’água mais que indisposto. Calcei meus chinelos e saí arrastando-os pelo piso escuro de madeira, reproduzindo um som irritante para outros ouvidos – não para os meus. Passei os dedos por entre meus fios negros e os joguei para trás.
As cortinas opacas da cozinha estavam fechadas e a única fonte de luz que paira é da geladeira que acabei de abrir. Retirei um galão de leite mais algumas frutas cítricas e ovos. Peguei uma frigideira no armário branco e fui para beira do fogão. Fritei os ovos.
Sentei-me na mesa e, literalmente, devorei a comida. O primeiro copo de leite foi terminado em dois longos goles; os ovos, em umas cinco garfadas. Levantei-me arrastando a cadeira com as frutas nas mãos e caminhei até a sala, onde se localiza a maior TV. Zapeei os canais rapidamente, já sabendo onde deixaria: Canal noticiário, especificamente, onde se noticia os homicídios e afins.
Esses caras são tão burros, deixam evidências fúteis no local do crime. Suas vidas poderiam ser melhores se, pelo menos, assistissem algum seriado policial.
Mulher. Jovem. Modelo. Rica. Encontrada esquartejada na banheira da sua luxuosa cobertura. Seu namorado é o principal suspeito. Deixou o relógio de ouro e diamantes no chão do banheiro enquanto tratava de cortá-la. Isso prova o quanto um relógio pode ferrar com sua vida, por essa razão que eu não os uso. Não quando estou “trabalhando”.
Tom, meu irmão gêmeo, adentrou afobado pela porta. Provavelmente deve ter cessado sua abstinência sexual de um dia inteiro. Fiquei orgulhoso por ele. Tom parou atrás do sofá e cutucou-me com os dedos.
- Ei, eu cheguei.
- Eu sei. – respondi sem olhá-lo e dar-lhe atenção. Ele continuou parado, observando a reportagem na TV. Como ele tem o poder de me deixar incomodado. – Tom, sobe para o seu quarto. Lá tem os mesmo canais daqui. – minha voz saiu pouco alterada, mas nada que ele percebesse. Rá, só pode está brincando com minha cara. – TOM! – gritei.
- Eu saí... Eu saí com ela ontem. – depois de alguns minutos, sua voz grave fez-se presente. – Eu a levei para casa. – voltou a se pronunciar. Ótimo, meu irmão também será interrogado, pelo menos, ele tem a mim para manter tudo o que disser em verdade. Ou, alguma parte da sua aventura diurna. – Eu perguntei se ela queria que a levasse até lá em cima, mas respondeu que já estava muito cansada para mais um sexo selvagem. – nesse momento, não deixei de bufar. – O nome dela é... Era Nathalie. – senti que a fala proveniente da sua boca falhou e logo em seguida, uma fungada. Tom estaria chorando... Por uma mulher? Em que ano estamos? – Vou tomar banho. – finalizou.
- Vai, e aproveita para debulhar-se em lágrimas. – ri. Ele apenas lançou um olhar avermelhado e repreensivo para mim. Dei de ombros. Sempre faço piadas com fatos não muito freqüentes, e esse é um dos.

Não vi sombras de Tom até a tarde. Provavelmente deveria ter tomado alguns remédios e dormido antes que o procurasse e o visse chorando. Agora, ele está aqui, do meu lado fumando um cigarro em silêncio. A fumaça invadia nossos pulmões delicadamente, entranhando por cada milímetro quadrado. O outro um terço era eliminado pelas narinas do Tom, feito um dragão furioso. Eu balançava meus pés num ritmo frenético. Por mais que eu não goste de ter alguém ao meu redor por muito tempo, ele é meu irmão, gêmeo, e convivemos juntos há quase vinte e três anos. Quando costumava conversar, era ele quem dava-me ouvidos.
- O que acha de pedirmos algumas pizzas? – perguntei mais para quebrar o gelo do que pela fome que já sentia.
- Pode ser.
- Qual é, Tom, vai ficar nessa? Cadê meu irmão que não chora? Você mal conhecia essa mulher...
- Não, não fale do que você não sabe.
- E desde quando eu não sei sobre você? – perguntei, encarando-o.
- Desde quando você está estranho. – e deu uma tragada forte no cigarro, olhando o vazio.
Então, ele percebera? Percebera desde o início. Ele sentia desde o início. Droga.
- E desde quando eu estou estranho, Tom? Ham? Você que fica cada vez mais fora de casa. Eu não te vejo com tanta freqüência, não somos tão mais unidos como antes. – drama, a arte que sabia dominar. Quer dizer, uma das.
- Agora você põe a culpa para cima de mim? Eu sou o culpado agora, Bill? – Tom encarou-me. Essa conversa até tomaria um rumo mais serio se eu não me levantasse e dirigisse-me à porta de vidro que dá acesso ao corredor amplo. – Está vendo? É disso que estou falando! – gritou lá de fora.
Eu poderia continuar, continuar a pôr a culpa nele, mas por dois motivos eu não continuei: Ele havia me pego desprevenido. Não que eu não seja bom em ter respostas na ponta da língua, mas esse assunto nunca havia sido tocado antes. E segundo, sabia que Tom está fragilizado, posso sentir por nossa conexão. Algo mesclado entre surpresa, saudades e certa culpa. Não seria tão mau ao ponto de deixá-lo ainda mais para baixo.
Joguei meu corpo com brutalidade na cama e fechei os olhos, já sentindo meu “instinto” gritar mais alto do que eu. Teria que me concentrar para nada dar errado, precisaria de calma e paciência. Uma gota de sangue a mais e minha vida estaria acabada.

A lua piscava para mim assim como uma luz se acende no interior do seu cérebro quando se tem alguma idéia genial. Realmente, eu a tinha e, se tudo desse certo, a colocaria em prática... Agora. Vesti meu sobre-tudo de couro preto, arrumei meus materiais necessários e dirigi-me à porta com passos certeiros. Não seria o Tom que me impediria de fazer o que quero.
Arranquei com o carro para um local que eu mal conhecia, a procura de alguém que mal conhecia, mas, com certeza, meu instinto conhecia.