Desculpem a demora, mas tá aqui
Capítulo II
Sua busca árdua por Elizabeth quase lhe rendera uma prisão temporária na pequena cadeia da cidade, mas não seria este motivo mínimo que faria Tom parar. Havia prometido a si mesmo que iria trazê-la de volta ao seu irmão, apenas para vê-lo sorrir novamente, nem que precisasse pagar judicialmente por isso.
Foram longas semanas de muitas pesquisas, inúmeras ligações para possíveis lugares onde Liz poderia estar. Procurou em todos os lugares dos quais se lembrava de que ela havia falado, numa das duradouras e comuns tardes de longas conversas que compartilhava consigo e o irmão. Mas até agora, sua procura ainda não havia rendido qualquer fruto, fosse ele bom ou ruim. Simplesmente não conseguia encontrar qualquer vestígio de Elizabeth, não importava para onde se voltasse. Sempre becos sem saída, sempre perguntas sem respostas. Por diversas vezes, a idéia de que seria melhor sentar e esperar que o acaso trouxesse a mulher da vida de seu irmão de volta simplesmente assaltava- lhe a mente, como se seu próprio corpo já estivesse pedindo para descansar em meio a tamanho desgaste que parecia levar a simplesmente nada.
Numa tarde chuvosa, na qual Bill fora gastar seu tempo debulhando-se ainda mais em lágrimas e sofrimento no singelo jardim de inverno, Tom aproveitou o que aparentemente era a oportunidade perfeita e resolveu ir à única fonte segura e mais exata que tinha nas mãos durante este tempo todo: o netbook de seu gêmeo.
Como este estava demasiado debilitado naquele dia, desgrudou-se um pouco do objeto e o deixou à mercê de qualquer um que adentrasse seu quarto. E este seria seu próprio irmão. Agindo como um gatuno prestes a cometer o crime do ano, sem suspeitas.
Tom encostou a porta com extremo cuidado e praticamente avançou sobre seu objeto de cobiça, não perdendo tempo em conectá-lo à internet e acessar o e-mail de Bill. A cada segundo que se passava, fazia seu coração falhar uma batida e o estrangular numa espera agonizante.
Sentou- se sobre a cama de Bill com o computador sobre seu colo, enquanto páginas e mais páginas de emails iam se revelando diante de seus olhos. Sem sequer ter a capacidade de imaginar que naquele exato momento em que erguia o rosto, pulando furtivo entre a tela do computador e a porta do quarto, outra pessoa, demasiadamente longe dali, havia sentado- se diante de seu próprio email aberto. No instante em que seus dedos trêmulos percorriam o email de seu irmão, esse outro alguém escrevia uma mensagem que seria destinada àquela mesma caixa de entrada. Em meio a um quarto vazio e triste, um barulho constante e irrequieto de teclas sendo pressionadas urgentemente suprimiam o silêncio que havia existido por ali durante anos inacabáveis. Silêncio esse que parecia pulsar, jogando cruelmente contra seu frágil ser a insegurança de saber que a decisão que havia tomado poderia não ter sido a melhor de todas.
Tanta urgência, tanto arrependimento reunidos em um aflito coração só. Urgência essa refletida em seus dedos que, atrapalhados, redigiam uma longa e chorosa narrativa, linhas e mais linhas de redenção que precisavam ser imediatamente apagadas e corrigidas, tamanhos erros de gramática causados pela impaciência possuíam.
E então, esse mesmo coração que agora era minúsculo, batendo descompassado pela incerteza de não saber se ainda ia iriam querer aceitá- lo de volta, tomou sua decisão final. E enviou sua mensagem.
Sempre desviando seu olhar para a porta a cada barulho mínimo, Tom aventurou-se por entre a caixa de entrada de Bill e foi relendo brevemente, os poucos e-mails dali, quase todos de Elizabeth. Mas algo o assustou de maneira exorbitante, fazendo-o tremer mais que o normal.
Um alerta piscava incansavelmente, avisando a chegada de um novo e-mail.
Respirou bem fundo. Não poderia criar tantas esperanças assim, de cara. Precisava raciocinar corretamente, se não ele próprio o condenaria pela a vida.
Tom levou a seta do mouse até o local indicado e seus olhos quase saíram rolando quando ali leu "Elizabeth". Então, ela estava voltando? Não poderia ser. Não depois de tantos meses sem contatar seu irmão. Carregou o email, e sua boca foi se abrindo a medida em lia cada palavra, cada parágrafo. Liz explicava tudo o que lhe tinha acontecido desde que partira, há três anos, até noite passada. O e-mail parecia muito mais uma carta de suicídio, tamanho era o drama e o peso que as palavras tinham.
Ao chegar ao fim deste, havia um endereço. Era a velha estação de trem de Magdeburgo; e uma data: primeiro de setembro. O aniversário de seu irmão. Seu também. Tudo conspirava a favor de seu plano, até então, inconclusivo.
Era a desculpa perfeita que tinha de sumir durante o dia e voltar quando tivesse Elizabeth estivesse ao seu lado, apreensiva pela reação de Bill e de todos os demais que eram seus amigos mais íntimos. Deixando a si muito mais apreensivo, mas seu irmão precisaria entender que fazia tudo para o seu bem.
Anotando o tal endereço mentalmente e a hora do trem, Tom apagou o e-mail e verificou se não havia nenhum vestígio de que estivera ali, desligando-o tão rapidamente quanto ligara e o deixou como tinha encontrado, levantando-se de supetão e indo para seu quarto, logo em frente.
Tinha um plano sem muito pé nem cabeça maquinando em sua cabeça e a única conclusão em que chegava era encontrar-se com Liz e levá-la diretamente a Bill, sem paradas no meio do caminho.
Faltavam poucos minutos para que pudesse sair sem levantar alguma suspeita, com a desculpa que de faria uma festinha particular em algum prostíbulo próximo. Todos seus amigos sorriam para si e levantavam os copos vermelhos mergulhados na bebida suave. Tom retribuía o gesto, mesmo que forçadamente. Sua cabeça estava em outro lugar e por isso tinha que encontrar seu irmão o mais breve possível antes de partir para a sua missão.
Sem ter muito que pensar, o gêmeo mais velho fora direito ao jardim de inverno, logo avistando Bill como sempre: vestido de negro, num luto interno e quase eterno e sem a sua costumeira maquiagem forte, que fora substituída por profundas olheiras. E, de praxe, uma taça com o vinho mais antigo da casa era segurado por sua mão quase cadavérica, de dedos longos e finos.
Tom não precisou anunciar sua presença por ali, já que fizera bastante estardalhaço proposital ao adentrar no recinto. Bill olhou sobre seu ombro com olhar mortífero, já pronto para definhar com alguém que lhe incomodara em seu santuário de paz e muita reflexão. Ao ver que era seu irmão, seu companheiro desde sempre, suavizou sua expressão e voltou a fitar o nada, perdendo-se em seus pensamentos.
- Espero que não se importe que eu saia em nossa festa. Você me entende... – Tom disse ligeiramente rápido, com medo que seu gêmeo percebesse seu nervosismo e lhe obrigasse a contar tudo o que estava tramando.
- Claro Tom. Você pode ir para onde você quiser – respondeu-lhe sem ânimo, dando de ombros e logo levando a taça à boca, sorvendo o vinho tão semelhante ao sangue humano.
Numa súbita crise de consciência, Tom avançou até o pequeno sofá e praticamente puxou o irmão, fazendo-o levantar bruscamente, indo de encontro ao seu peito, abraçando-lhe fortemente. Há quanto tempo não faziam isso? Nenhum poderia responder.
Bill aconchegou-se no gêmeo, suspirando pesadamente.
- Vou lhe trazer o melhor presente de sua vida, mano. Eu prometo – o mais velho sussurrou mais para si mesmo enquanto afagava os cabelos negros e rebeldes do irmão. – Tenho que ir. Não espere por mim e, por favor, não exagere na bebida – afastou-o delicadamente de si, fitando-o diretamente nos olhos tão idênticos aos seus.
Com leve sorriso, Bill concordou e voltou a abraçá-lo, mas fulminantemente, como quisesse mostrar o que não tinha coragem de falar. Mostrar que não importava qual presente seu irmão estivesse disposto a trazer, ele só queria Elizabeth. Tom assentiu positivamente e tratou de sair logo dali ou tudo iria dar errado. Precisava agir como um fora da lei. E isso não seria um problema.
- Vá com cuidado. A banda e as tuas fãs precisam e te querem inteiro – Bill sussurrou para si mesmo, sabendo que Tom o ouviria de alguma forma. Com um sorriso quase imperceptível, levou a taça novamente à boca, sorvendo o restante daquele líquido vermelho tão acolhedor, que descia queimando em seu peito, procurando aquecer o vazio e consolar a sua própria solidão.
A forma que estacionara seu luxuoso carro naquele estacionamento precário demonstrava claramente seu profundo desespero e ansiosidade. As horas que pareciam correr e chocar-se contra si quando dirigia como um alucinado pela estrada de terra, agora diminuíram para um ritmo torturante, sofrido. Os ponteiros de seu relógio de pulso arrastavam-se preguiçosos, como se estivessem prestes a parar.
Tom saiu do ambiente aquecido de seu carro e apertou seu casaco contra seu peito, surpreendo-se com a baixa temperatura para aquela época do ano. Sem se importar se seria ou não roubado, não ativou o alarme e, com passos firmes, mas com as pernas mais trêmulas que nem gelatina, encaminhou-se para o grande portal de madeira antiga, já corroída pelo tempo e ação do homem. O cenário não era lá o mais acolhedor, lembrava a Tom um velho filme de faroeste. Adentrou aquela estação com poucas pessoas no seu interior, todas muito agasalhadas. Ajeitou seu capuz sobre a cabeça, a fim de esconder seu rosto e se apressou para ir em direção a plataforma onde Elizabeth desembarcaria. As mesmas poucas pessoas o olhavam céticas e lhes criticavam sem verbalizar.
Não que ligasse para opiniões alheias.
Compulsivamente, olhou mais uma vez para seu relógio. Quase dez horas de noite. Droga. Estava alguns minutos atrasado. Com certeza, Liz fora embora, atrás de seu irmão ou qualquer outro amigo seu ou parente. Devia estar cansada de esperar por Bill, já que ela não era a pessoa mais paciente do mundo. Tom não poderia ter falhado. Não agora.
Levantou seu olhar na esperança de encontrá-la ainda por ali, sentada em algum dos antigos bancos. Uma figura feminina lhe chamou a atenção por trazer apenas uma mala de mão consigo e esta ter motivos infantis para a sua idade. Mas, como num súbito, uma lembrança tomou conta de sua mente e tudo se tornou mais claro, óbvio.
Aquela era Elizabeth. Do mesmo jeito no dia anterior que partira. Os mesmos cabelos castanhos, as mesmas bochechas rosadas. Ela era mesma. Seus olhos não estavam o enganando.
Com a adrenalina percorrendo-lhe as veias de maneira exorbitante, correu por dentre quem se encontrava em seu caminho, atropelando-as sem muito cuidado, ouvindo xingamentos inaudíveis. Precisava chegar nela o quanto antes. A sua vida parecia depender daquilo. Quando quase fora ao chão por um buraco, Tom aproximou-se ofegante da mulher sentada, que o olhava surpresa. Os seus olhares se encontraram e, como um choque tivesse passando-lhes pelo corpo, os dois se chocaram num abraço sufocado, quase inacreditável.
- Quanto tempo, Liz – o mais alto sussurrou-lhe ao ouvido, afastando-a pelos ombros e encarando o rosto de boneca que sempre ostentara.
- Você não imagina o quanto eu sinto muito por ter que abandonar seu irmão e... – começou um discurso de longe ensaiado, mas fora interrompida por outro abraço de Tom, abafando seu choro incontido, molhando o casaco com suas lágrimas dolorosas.
- Você não precisa se explicar. Não para mim – completou o gêmeo de seu amado, sentindo-a apertar-se ainda mais contra si, com medo explícito em suas ações. – Vamos lá, Lizzie. O Bill está te esperando por três anos. Está mais do que na hora de vocês ficarem juntos, finalmente – decretou, puxando-a pela mão pequena e macia, carregando a mala com a outra, deixando-a sem palavras, apenas o seguindo ainda cambaleante e sem muitas certezas.
- Feliz aniversário, afinal – desejou sussurrante, assim que as portas do Cadillac foram fechadas. Tom abriu seu melhor sorriso e apertou sua mão, agradecendo-a silenciosamente.
- Ainda falta uma pessoa – disse, dando a partida e, como chegara, partiu como um alucinado, aproveitando a estrada incrivelmente livre.