I'll Be Waiting

Acordei com o barulho estressante do despertador digital. Ainda meio grogue por causa do sono, levantei-me e fui ao banheiro fazer minha higiene matinal.
Voltei para o quarto e vesti uma roupa simples. Hoje era o dia para visitar os meninos. Peguei minha grande bolsa de lado e saí de casa trancando a porta de fora. O estúdio não era relativamente perto, mas não era tão longe.

Assim que cheguei, fui recebida por sorrisos e abraços apertados. Os conheço há muito tempo, antes mesmo do grande sucesso. E para mim, eles continuavam os mesmo que sempre foram. O ambiente era alegre, entre piadas e bochechas coradas, íamos nos divertindo. Mas uma pessoa não estava, como posso dizer, a vontade. Falava apenas, quando era extremamente necessário, respostas monossilábicas. Isso me incomoda.
Tudo bem que esse é o seu jeito, mas não entre nós. Quer dizer, entre eles. De uns meses para cá, ele está muito frio comigo e quando pergunto o motivo, ele desvia de assunto dizendo que é só impressão minha. Poderia agüentar ser tratada assim por qualquer um, menos por ele.
Logo, eles foram para a sala de gravação ensaiar as músicas novas das quais só eu e os produtores sabiam. Em nenhum momento desviei meu olhar dele. O apreciava atentamente, observando cada detalhe minuciosamente. Ele pareceu perceber isso e olhouu-me. Sorri ternamente e ele voltou a se concentrar. Eu sei, eu tenho que agüentar, tenho que segurar-me para não acabar ferindo a mim mesma. Mas o que fazer se isso já está me machucando a cada dia que passa? E ele continua a não perceber nada ou, pelo menos, não querendo ver.
Saí antes mesmo de o ensaio acabar sem falar com ninguém. Não estava com cabeça para me decepcionar, novamente, hoje. Já era noite e estava frio, então apressei os passos para não morrer congelada ou por alguma pessoa mesmo. Aquele lado era sempre deserto, eles queriam dessa forma para fãs não terem acesso e, na mesma, elas tinham.
Enquanto caminhava com passos apressados só pensando em me livrar daquele terrível frio, escuto assobios ecoando por toda a rua. Meu coração dispara no mesmo segundo. Sempre tive medo de andar sozinha – estava tentando combatê-lo. Não olhei para trás até ouvir outro e outro seguido. Nessa hora minhas pernas já tremiam, fazendo com que meus passos ficassem ainda mais incertos. Ouvi, também, o barulho de vidro se espatifando pelo chão e um gato miando por causa do mesmo. Olhei para trás pela segunda vez e vejo que não tem ninguém, me alivio. Quando retorno meu corpo para frente, bato-me em outro corpo alto e forte.
- Não me ouviu chamar, docinho? – Perguntou passando os dedos pelos meus fios castanhos. Bati na sua mão com nojo e medo. – Ei, ei. Calma. Não vou fazer nada com você. – Falou com um sorriso malicioso nos lábios.
Por que será que sempre falam isso? Sabem que vão fazer alguma coisa e mesmo assim, falam. Querem dizer que nada de mau, para eles, irão fazer.
A tremedeira tomou conta de todo meu corpo e estava desesperada. Se gritasse ninguém me ouviria, já que estava mais afastada do estúdio.
- Está com medo, docinho? – Perguntou novamente sentido meu pulso tremer em suas mãos.
- Por favor, não me faça nada. Eu tenho dinheiro se é isso que quer. – Lágrimas já tomavam meus olhos.
- E quem disse que quero dinheiro? Quero algo mais precioso. Você – Sua língua fez movimentos por toda extensão do meu rosto, parando no queixo próximo ao meu lábio inferior. Essa foi uma atitude repugnante, não admitiria que fizessem isso comigo.
- Não ponha sua língua imunda no meu rosto. – Minha voz saiu um tanto quanto ameaçadora.
- Talvez esteja, acabei de sair de um motel. – Disse sacana. Aquilo só me fez ter vontade de vomitar.
- Me larga seu porco imundo. – Disse tirando meu pulso de sua grande e áspera mão. Virei no sentido contrário ao dele para sair o mais rápido possível da sua proximidade, mas fui puxada fortemente pelo cabelo fazendo-me virar.
- Aonde pensa que vai? Nem comecei meu serviço com você. - Disse agarrando ainda mais forte meus cabelos.
Não acredito que isso está mesmo acontecendo comigo. Não acredito que serei violada e não poderei fazer nada contra. Não acredito que ninguém verá.
Ele puxava-me pelo braço, me lavando a algum lugar. Tentava ao máximo recuar, mas ele era mais forte e parecia não querer voltar a trás. Gritei alto, fazendo que minha voz ecoasse.
E como nos filmes, um soco atingiu a cara do marginal. Ele cambaleou para o lado, assim pude retirar meu pulso da sua mão.
- O que você pensa que está fazendo? Não tem a noção do perigo? – Uma voz rouca, escoou.

Estremeci ao sentir um par de braços me rodearem pela cintura e empurrar-me para trás, caindo em cima de algumas lascas de madeira pontiaguda. Uma havia se hospedado profundamente no meu antebraço esquerdo e teimava em não sair. Gritei de dor numa terceira tentativa inválida de retirá-la. O sangue começara a escorrer, sujando o solo no seu último destino. Abri a bolsa e peguei meu lenço preto, com ajuda dos dentes, o amarrei um pouco forte no lugar do ferimento, tentando estancar o sangue. E por uns minutos, esqueci o que estava acontecendo no outro lado da rua.
Tom brigava enlouquecidamente. Atingia o outro com chutes, socos e outras coisas a mais que não sabia da existência. Pelo seu olhar, percebia-se que ele queria continuar com aquilo e só pararia quando o cara estivesse morto. Eu sentia uma mistura de medo e segurança. Tom voltou limpando o sangue que se originava da sua boca com a costa da mão. Olhava para trás a cada passo que dava, se precavendo do inimigo. Em volta dos seus olhos, predominava uma coloração roxa escura com algumas pintas vermelhas; suas juntas principais dos dedos estavam arranhadas; sua camisa estava lascada; suas tranças, bagunçadas. Mas apesar disso, ele sorria.
- Você viu o que fiz com ele? – perguntou num tom de superioridade. Podia ver o brilho nos seus olhos minúsculos. – Você viu como ele ficou com medo de mim? E realmente acabei com o desgraçado. – ele está certo. O cara nem conseguia levantar-se do chão. E por mais que ele tentasse fazer algum mal a mim, senti uma mínima pena dele. Mínima. Tom estava parado com as mãos na cintura olhando para o outro lado. Levantei com um pouco de dificuldade e Tom se prontificou em me ajudar.
- O que foi isso? – olhava para o lenço com curiosidade.
- Uma lasca de madeira não quer sair.
- Quando foi isso? – dava continuidade às perguntas. Com delicadeza, afrouxou o nó revelando uma ferida feia. – Fique quieta. – ainda com as mãos ali, analisou o perímetro. – Isso vai doer um pouco, mas nada que você não agüente. – sorriu me reconfortando. Eu sabia o que ele iria fazer em seguida. Se fosse para o pronto socorro, com certeza passaria décadas lá tentando encontrar um médico que quisesse tirar uma simples lasca do braço de uma garota. Irônico.
- Espera! – falei repentinamente. Tom pareceu se assustar.
- O que?
- Nada, nada. – ri da minha covardia inapropriada. Logo, a lasca não estava mais estocada em minha pele e sim, um buraco. Que ótimo. – Vamos à emergência. Não quero ter uma broca em meu antebraço. – peguei em sua mão e caminhei na frente, arrastando-o.
- De nada, querida. – disse. Tom havia feito tanto por mim e eu nem ao menos lembrei de agradecê-lo por isto. Mas fazer o que? Eu estava com um ferimento dos grandes e a dor era muito maior da qual aparentava.
- Obrigada, Tommy meu herói. – voltei para ele, apertando suas bochechas fofas e chamando-o da alcunha infantil.
- Você sabe mais que qualquer um que eu, simplesmente, odeio esse apelido. Então pare de me chamar dessa merda. – disse rude. Ultrapassando-me nos passos, e acabando por deixar-me mais a trás.
- Tom, ele levantou! Rápido, ele está correndo em minha direção. – encenei uma voz totalmente dramática e comecei a correr. Ele virou-se prontificadamente olhando para todos os lados.
- Onde esse desgraçado está? Não estou vendo-o. – continuava a olhar para todas as direções possíveis e até pondo a mão na testa.
- Ele está no mesmíssimo lugar que você o deixou. Isso é para aprender que não se deixa uma dama andar sozinha atrás. Agora, vamos, lezado. – passei por ele, deixando um belo tapa em sua cabeça.
- Da próxima vez, deixo você morrer, ordinária. – seu disfarce não foi tão bom quanto o meu. Ele logo começou a rir estrondosamente pela calçada.
Pode parecer estranho, mas essa é a forma de como nos tratamos. Não temos “respeito” um com o outro e sempre nos chingamos. É um jeito de demonstrar afeto.

As letras vermelhas chamativas ao alto denunciavam que estávamos próximos ao hospital. Adentramos na mesma freqüência de antes e nos dirigimos a uma enfermeira que passava, pedindo-a informação.
- Dirija-se à recepção, por favor. – respondeu sem nos olhar.
Depois de passar o resto da noite naquele local monótono, finalmente pude ir para casa. Tom não precisou insistir muito para acompanhar-me, como de praxe, afinal, eu ainda estou apavorada. Isto, com toda certeza, aumentará meu trauma. Por mais que não demonstrasse tanto medo, ele estava lá, bem dentro de mim e a qualquer hora pode escapulir boca a fora.
Terminamos o trajeto e nos despedimos rapidamente. Tom ofereceu-se para passar o crepúsculo da manhã comigo, mas recusei. Preciso pensar em tudo a minha volta, e encontrar algumas saídas de emergência para elas. Apesar de muitos terem a imagem errada do Tom, ou até mesmo, decifrar o que ele transmite; ele é uma pessoa com sentimentos. E eu o admiro.