Então, aqui estou eu. Não tenho muita coisa a dizer, a não ser desejar que vocês gostem
Capítulo I
Tom precisava manter a calma. Realmente
precisava, para ter a capacidade de argumentar com Bill. E milagrosamente estava conseguindo não se exaltar, apesar de torcer para que seu irmão caçula não olhasse para os nós de seus dedos, que estavam brancos à medida que ele seguia apertando com força o volante, dando vazão ao nervosismo.
Com cautela, olhou de esguelha para o banco do carona. Bill segurava entre seus braços uma pequena pilha de livros, e toda vez que o carro dava um solavanco, a mochila que repousava entre seus pés calçados com coturnos chacoalhava, sendo responsável por ser a única coisa a perturbar o silêncio quase palpável dentro do veículo. E impassível, continuava a manter os olhos presos à paisagem, fitando sem ver o espaço à frente. Evitando todo e qualquer tipo de contato visual com Tom. Fazendo o possível para não oferecer qualquer abertura para que seu irmão mais velho voltasse a importuna- lo com ladainhas irritantes.
Tom continuava a tentar dividir sua atenção entre o trânsito, que mantinha- se cada vez mais difícil à medida que eles se aproximavam da escola onde Bill estudava, e tentava ainda assim pensar na melhor abordagem possível para conseguir fazer seu irmão caçula acatar seu pedido. Bill mantinha ainda aquele mesmo semblante triste que tomava conta de seu rosto desde as últimas semanas. Ele parecia frágil como um castelo de cartas, pronto para desmoronar diante de qualquer investida contra si. Seus expressivos e intensos olhos castanhos estavam sempre marejados, lutando fervorosamente contra as lágrimas que queriam cair.
Depois da última agressão, ele já não era mais o mesmo. Tom sabia que alguma coisa havia endurecido dentro de seu pequeno irmão.
Adentrando no estacionamento da escola, Tom refletiu se aquele seria o momento certo para retomar o assunto que havia sido interrompido alguns minutos atrás, antes de entrar no carro para levar o irmão para mais um dia de aula. E concluiu que mesmo que não fosse a situação mais oportuna, precisava tentar mais uma vez. Precisava pedir a Bill que saísse daquela escola. Que aceitasse uma transferência para qualquer outro lugar que não fosse dominado pela merda do preconceito. Qualquer outro lugar onde os alunos não tratassem os próprios colegas como se fossem a escória.
Era insuportável ter que ver todos os dias um novo ferimento em Bill. Eram intoleráveis todas as marcas roxas que enfeitavam sua pele naquele momento, tamanha era a quantidade de vezes que o irmão havia sido brutalizado. E quando Bill tentava se mostrar forte, limitando- se a esconder cada marca com maquiagem e erguendo a cabeça para mais um dia, era quando tudo parecia ser mais doloroso. Parecia que ele simplesmente não via o perigo que corria a cada dia naquele lugar. E a cada vez que negava qualquer tipo de ajuda vinda dos próprios pais e de seu irmão, era... Frustrante. Era como se ele se recusasse a ser salvo.
Tom estacionou o carro e tirou a chave da ignição. Olhou para Bill e esperou que este colocasse a mão na maçaneta da porta para sair do carro, mas ele não o fez. Apenas fechou os olhos e repousou a cabeça no encosto de seu banco, soltando um suspiro dolorido.
Desarmado, Tom sabia o quanto era difícil para Bill fingir que tudo estava bem. Sabia o quanto seu irmão sentia vontade de desistir, de jogar a própria vida para o alto.
Aproveitando- se do momento de rendição de Bill, Tom decidiu retomar suas súplicas. Remexendo- se desconfortável em seu assento, passou a língua pelos lábios para tentar se livrar da sensação pastosa em sua boca provocada pelo nervosismo. E então voltou a pedir, cautelosamente:
-Bill... - Murmurou. Ao ouvir seu nome, Bill suspirou novamente, levando uma das mãos ao rosto.- Eu queria saber se você já pensou naquilo que a gente vem conversando. Sobre a proposta que mamãe e Gordon fizeram para você.
Bill entreabriu os lábios para responder, mas conteve- se. Ao invés disso, baixou os olhos para os livros que segurava em seu colo. Estava tudo bem, Tom não tinha pressa para tratar de um assunto tão delicado, tal como era a felicidade do irmão.
Bill fungou ao seu lado, e levou imediatamente as costas do dedo indicador aos olhos, para evitar que mais lágrimas insistentes caíssem. Uma lágrima grossa e reluzente pousou em seu dedo, e ele a encarou por um breve segundo, enquanto outras escorriam por ambos os alvos lados de sua face.
Rapidamente, Bill inclinou- se sobre sua mochila, abrindo um pequeno bolso e tirando de lá um diminuto espelho. Arregalando os olhos em frente ao seu reflexo para verificar o quanto de sua maquiagem havia sido estragada, fungou mais uma vez, ruidosamente.
- O preconceito não vai tirar meu futuro de mim, Tom - Ele disse com a voz afetada, voltando a guardar o espelho e girando o corpo para olhar diretamente para o irmão.
- Seu futuro não vai ser comprometido só porquê você vai sair da maior escola da cidade. O que mamãe, Gordon e eu queremos que você perceba é que você pode ter uma vida boa independentemente do lugar para onde vá. Você é brilhante de qualquer jeito, irmãozinho. - Tom sorriu de maneira quase paternal, pousando uma das mãos sobre as costas de Bill e afagando- o com a ponta dos dedos. - A nossa preocupação vai além.
Bill revirou os olhos. Já conhecia aquele discurso de ponta a ponta, podendo recitá- lo ele próprio tendo a certeza de não errar até mesmo nas vírgulas.
- Nós não querermos que você seja reprimido aqui. Essa escola, as pessoas daqui... Ninguém tolera quando alguém resolve assumir o que é.
- Tom... - O lábio superior de Bill ficou trêmulo, e ele precisou de uma pequena pausa para não tornar a chorar. - Eu só quero que você entenda que eu vou ser reprimido aonde quer que eu vá enquanto eu precisar viver junto à sociedade. Em qualquer escola, não importa.
- Qualquer coisa é melhor do que o que acontece com você aqui. - Insistiu Tom.
- ... É isso que acontece com os gays. Queira você ou não. Eu já me acostumei com o fato de ser menos gente para eles. - Disse Bill, com sua voz falhando a cada palavra.
- Não! Merda. Você não pode se render. Existem outras saídas. Você não pode se acostumar com
isso! - Tom apontou para a gargantilha preta que Bill usava, adornada por uma pequena caveira reluzente. Seu irmão mais novo havia comprado o acessório para esconder mais uma das diversas marcas roxas que espalhavam- se por seu corpo. - E a orientação da sua escola, o que é que faz a respeito? Porquê até agora eu não vi porra nenhuma mudar. Ninguém foi punido e você continua a voltar pra casa todos os dias com uma marca nova!
Bill jogou a cabeça para trás, para garantir que as lágrimas que embaçavam sua vista ficassem bem longe de cair e estragar tudo de novo.
- Tom, eu... Acho que não quero mais falar sobre isso. Não agora, tudo bem? - Murmurou, com a voz embargada. Tom então deixou seu corpo cair na cadeira, praticamente derrotado. Não havia mais o que fazer, pelo menos por enquanto. Sua única reação foi puxar Bill para si, dando em seu irmão um abraço prolongado. Seu coração esmigalhava- se apenas ao saber o que acontecia com seu irmão por detrás dos portões da escola. Não entendia como poderiam querer machucar alguém tão frágil e vulnerável como a pessoa que encontrava- se em seus braços agora.
Queria tira- lo dali para sempre, queria ver seu irmão longe de qualquer perigo. Sentia vontade de adentrar aquele lugar e fazer cada um de seus colegas pagar pelo sofrimento imposto cruelmente a alguém tão puro. Como a sociedade podia ser tão hipócrita? Não era justo.
- Eu sou forte Tom. - Bill pareceu sorrir, com o rosto enterrado na curva do pescoço de Tom. - Você não precisa ficar preocupado comigo. Nem a mamãe, nem Gordon. Eu vou ficar perfeitamente bem. - Ele ergueu o rosto e depositou um beijo demorado na face do irmão mais velho.
O sinal da escola soou, indicando que já era hora de os alunos estarem em suas respectivas salas de aula.
- Eu preciso ir. - Sussurrou Bill, soltando- se delicadamente do abraço de Tom.
- Você vai ficar bem? Pelo menos por hoje, Bill? - Disse o irmão mais velho, acariciando com o polegar o rosto de seu irmão e dirigindo a ele o olhar mais aflito possível.
- Eu vou sobreviver. Eu prometo. - Bill abriu um sorriso amarelo, tentando fazer piada com a situação. Mas Tom sequer riu. Ainda sério, apenas olhou para a porta do carro, imaginando se talvez existiria um jeito de impedir o irmão de sair dali.
- Boa faculdade Tom. - Recolhendo então seu material, saiu do carro, fechando a porta atrás de si. Deixando para trás um Tom completamente impotente e preocupado.