Talvez um Dia
capa da fic, feita por Mandy:
Música: https://www.youtube.com/watch?v=8eDmYGXHzdQ
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Eu realmente odiava o frio, mas não tanto como agora. Não era por falta de agasalho que eu tremia tanto, e sim de nervosismo. A minha vida sempre fora calculada por todos ao meu redor. “Será melhor assim”, diziam eles. Mas justo agora, justo hoje, no último dia nesse país que aprendi a repudiar...
Sentada no banco daquela praça, contemplando o acinzentado daquele céu sem vida, que combinava perfeitamente com as árvores de tronco torco sem folha alguma. Com falta de ar, separei as pernas e abaixei a cabeça, esperando vomitar outra vez naquela semana. Foi bem pior do que eu pensava, só meu causou tonturas, e caí do banco. Minha cara foi direto no chão úmido e frio. Crianças que brincavam ali riram da minha cara, em vez de me ajudar.
-Hey, gelen Sie in die Hölle, Sie Idioten! - Ei, vão pro inferno, seus idiotas!
Saíram rindo, e um deles ainda atirou uma pedra nas minhas costas. Mais um motivo na lista “ Eu Odeio a Alemanha”
Com alguma dificuldade eu consegui me levantar. Minha calça estava encharcada só do lado esquerdo. Algumas pessoas que passavam por mim me olhavam com uma cara estranha. Já não suportando aqueles olhares, vasculhei em meu bolso por um cigarro.
“Mais que merda, eu nem fumo!” pensei. Até isso eu imitava dele, sem notar. Quantas vezes não o havia visto procurar um cigarro no bolso...lembranças demais para uma mente só.
A droga do celular começou a tocar. Atendi na hora, temendo escutar mais um segundo daquela música.
-Hallo... - minha voz lembrava um velório.
-Menina de Deus! Onde esteve? Porque não atende o celular?!
-Mãe, é sério, para de gritar...eu... - respirei fundo para disfarçar o choro – estou bem...
-Está é me matando do coração! Quando volta pra casa? As suas competições de xadrez já vão começar! O comitê carioca não para de ligara para saber da sua volta...
Fechei meus ouvidos para aquela ladainha de sempre. Quando eu poderia ter a minha vida, fazer minhas escolhas?
-Jess...Jessica, estou falando com você! - Daí não suportei mais.
-Então vê-se arranja outra enteada pra seguir seus sonhos planejados, falou? Eu tô cheia dessa merda toda, eu quero viver!
-Jessica Arantes... - Antes que ela falasse algo, desliguei e tirei a bateria do celular.
O vento passou a ficar mais gelado. Entrei no primeiro Pub decente que minha vista alcançou.
Vários caras me olharam, mas eu já não ligava pra isso fazia muito tempo. Me sentei num banco, na bancada onde o barmen enchia um chopp e me olhava, curioso.
-Eaí, olhos azuis, o que vai ser? - Eu ri, recebendo com carinho meu novo nome.
-Eu vou querer...- quase pedi uma cerveja, não antes de me lembrar da minha possível nova condição – uma coca sem gelo, por favor.
-Ok. - Tomei a maioria num gole só, estava com sede, e não havia notado.
-Parece triste, olhos azuis. - O barmen puxou papo.
-Você não estaria ao descobrir que metade da sua vida foi forjada e a outra metade é só mentira? - Olhei para o chão. Uma lágrima quente escorreu do meu olho direito, só notei quando ela brilhou no piso vermelho.
-Deixa eu adivinhar: seus pais tentaram dominar sua vida, e quando você se rebela, acha um cara que parece te entender, se apaixona, fica grávida, e depois descobre o canalha que ele é. Acertei?
-Andou me vigiando?
-Entenda minha profissão: já escutei isso várias vezes. - Eu ri alto da piada que era minha vida.
-Quer os detalhes? - O encarei pela primeira vez.
-Nem preciso. Pra falar a verdade, escutei uma história assim, hoje mesmo.
-Sério? - Procurei me interessar naquilo, para esquecer um pouco os problemas.
-Só que era o cara. Disse que havia conhecido uma garota, ela era linda segundo ele. O amor da vida dele...
-Já escutei essa...
-Ele chegou a casar com ela escondido. - Meu coração pulou ao ouvir aquilo. - Só que não tinha avisado a ela que era...famoso. Bem, ela descobriu e se sentiu traída, e foi embora. Ele já não a vê faz dois dias...e descobriu por uma amiga dela que ela está grávida, e pediu divórcio. Ela vai voltar pra casa com um filho e divorciada. Já pensou o que os pais dela vão pensar?
-Ela está ferrada. - Não sei o motivo, mas olhei para o lado. E consegui imaginá-lo ali, contando a nossa história de 4 meses a um estranho.
-Que foi? - Ele disse.
-Nada... -Era incrível, mas senti pena dele, mesmo ele não merecendo.
-Está de quantos meses, garota?
Eu o olhei, ainda incrédula.
-Não faço idéia, é só uma suspeita ainda.
Saí do Pub, e liguei para Alexis de um telefone público.
-Hallo?
-Ale, vou só te perguntar uma vez...
-Oh, My God! Jess, onde você está?!
-Me escuta! Ale, contou pra ele?
-...
-Alexis!
-Tá, eu contei.
-Porque fez isso? - Eu olhei pra cima, com minha visão turva pelas lágrimas.
-Jessica, ele é o pai! E ainda é seu marido, tem que saber.
-Quando ele foi aí?
-Ontem de noite, logo depois que você sumiu. Assinou os papéis do divórcio, como você quis. Disse que foi a pior coisa que já fez na vida...
-Foi a maior idiotice da minha vida!
-Mas gerou um fruto, está crescendo em você agora mesmo.
-Eu estou com medo...- demorei para dizer aquilo.
-Só porque quer enfrentar a barra sozinha. Deixa a gente te ajudar, me diz onde você está...
-Deixa, eu já tô voltando...
-É sério? Porque se não for, a polícia vai atrás de você estava quase ligando!
-Tá, tá, já estou aí.
A noite já tomava conta da cidade. Poucas pessoas se atreveriam a estar na rua com tanto frio. No caminho, eu me lembrei das primeiras palavras que trocamos.
“-Duvido que você consiga ficar com o cabelo parecido com o meu!
-É bom não duvidar disso, ok? Quem sabe você não me ensina.
-Talvez um dia. Oh, já é tarde, tenho que voltar...pro trabalho.
-Ok, legal te conhecer. Ah, eu nem sei o seu nome.
-Nem eu sei o seu!
-Ok, talvez um dia.
-Pode ser amanhã, aqui mesmo?
-Talvez!
-Eu vou te esperar! - Ele gritou antes que eu fosse.
-Eu sei.”E tenho essa certeza até hoje.
Uma buzina e dois faróis me assustaram. Estava atravessando a rua sem olhar.
-Ei, olha...
-Descul...
O motorista tirou o cinto e foi até mim. Nem me mexer para fugir eu conseguia. Ele me agarrou pelos ombros e entre lágrimas falava coisas incompreensíveis.
-Eu não te entendo... - Disse, olhando para os faróis. Estava fraca, tudo girava.
-Por favor, entra no carro.
Eu desmaiei ali mesmo.
Sei que fiquei naquele estado por dois dias. Sabia disso, porque o relógio ao lado da cama que despertei tinha a data. Era o meu aniversário.
Não era um hospital, quem dera se fosse. Eu sabia muito bem onde estava. Apoiei os coltovelos na cama, para me levantar.
-Nem tenta! - A voz dele era alarmante.
-Eu já estou melhor...
-Não mesmo, o doutor disse que teve muita sorte de não perder o bebê.
-Ele deve ser forte...como o pai, imagino.
Os olhos castanhos dele reluziram, e dois rios lacrimosos foram despejados. Eu virei a cara.
-Não chora perto de mim! Você sabe como eu fico!
-Desculpe... -A voz de choro dele cortava a minha alma.
-Eu ainda não assinei...não tive coragem, principalmente agora.
-Não assina, Jess. Eu já rasguei os papéis. E seus pais concordaram comigo.
Eu me virei na hora.
-O, O QUE?!
-Eles pegaram o primeiro vôo pra Berlim, vão chegar logo.
-Você contou pro meu pai e pra Ruth?
-Eles tem que saber! Sua vida mudou muito em 4 meses, e eu assumi meu filho.
-Bill...
-E nem pense em tirá-lo!
-Jamais pensei nisso...ele não tem culpa.
Ele beijou a minha testa e afagou meu cabelo.
-Um dia você me perdoa por ter escondido a verdade?
-Até quando ia levar a mentira?
-Eu ia te contar, juro. Mas... você acabou descobrindo por si mesma...
-Claro, depois que vi um grupo de loucas com a sua cara nas camisetas, o que ia pensar?!
-Perdão...
-Tá ficando manjado, Kaulitz.
-Não sei mais o que dizer.
-Começa contando tudo, sua carreira.
Ele olhou para a janela.
-Hoje fez sol. Quer dar uma saída?
-Vai ser melhor.
De carro, ele me levou até um campo. Eu me sentei na grama, e ele ficou de pé, na minha frente, tampando o sol. Fiquei brincando com um coraçãozinho que ele havia me dado uma vez, parecia uma varinha de alguma fada. Ele me contou muita coisa para um dia só, mas no final, eu entendi que o que ele queria, era conhecer alguém sem ser o Bill Kaulitz famoso, ser só o Bill. Eu, uma estranha que estava de passagem em Berlim estudando, por um acaso o encontrei num shopping. Eu era a oportunidade dele.
O celular dele tocou; alguns minutos depois ele me avisou quem era.
-Seus pais chegaram, estão lá em casa.
Ele me ajudou a me levantar, e passou um braço em meus ombros.
-Vai me perdoar um dia, Jessica?
Eu sorri, e disse uma frase que fazia muito sentido para nós.
-Talvez um dia.
-Obrigado.
-Ah, o que vai querer de aniversário? - Ele disse, no volante.
-Que meus pais entendam, que me deixem viver... conhecer a sua mãe... e dar o nome de Bill ao nosso filho.
Comovido, ele pegou uma de minhas mãos com força. Era só o mundo que teríamos de enfrentar. Mas desde que estivéssemos juntos, nada mais importaria.
FIM