Obrigada, meninas. Espero que curtam
O corpo masculino, de pele levemente bronzeada, descansava por entre os lençóis bagunçados de aparência cara. Suspirei pesadamente ao relembrar das palavras que, um dia, tinham significado especial, não somente para mim, mas para ele também. Agora, elas só eram seus maiores artifícios para conseguir o que queria de quem quer que fosse.
Antigamente, era extremamente prazeroso namorá-lo, dizer que ele era meu, em todos os sentidos e jeitos, era uma massagem em meu ego ouvi-lo responder orgulhoso: “minha namorada, minha mulher”. Agora, nada mais fazia sentido, era como se houvesse uma barreira entre nós, impondo limites, tornando tudo automático e monótono.
Compartilhávamos a mesma cama, porém era como eu tivesse sozinha num quarto gigante, perdida em meus pensamentos. Nem mesmo quando nos amávamos, havia aquela troca de carícias, tão comum entre nós.
Não havia mais nada.
Durante o tempo que fiquei contemplando o céu alaranjado do pôr-do-sol, tomei uma decisão que parecia a ser melhor para a situação: eu iria voltar para a minha casa, do outro lado do continente, a quilômetros de distância dele. Talvez ainda tivesse a esperança de aquela saudade pudesse sanar e curar todas as feridas causadas neste tempo de uma relação conturbada e – doía dizer isso – fútil.
Vesti-me com calma e tentando não fazer muito barulho para não acordá-lo e assim, evitar explicações óbvias e despedidas dolorosas. Infelizmente, eu estava rezando para que esta seja a última vez que nos veríamos, para que nós nos tornássemos novamente completos estranhos.
Era a realidade jogando a minha cara que nem tudo era perfeito, que nem tudo a gente poderia ter. Infelizmente.
Bill havia se tornado uma pessoa vazia assim que os anos passaram, vivendo numa cidade cheia de estrelas como a Califórnia. Havia aprendido com elas a como se disfarçar, a como vestir uma máscara de falsidade e mentiras, havia sido fraco em resistir aos pecados a sua volta, ficando cada vez mais embrenhado nessa teia. O pior de tudo, não percebia o quão perdido estava e isso o afastava das pessoas que mais amava, não entendendo o real motivo para isso. Até seu irmão, aquele que Bill viveria junto para sempre, tinha voltado para Alemanha por não reconhecer seu gêmeo. Dizia que aquele ser estranho não era mais seu pequeno Bill, seu irmão caçula, aquele determinado em seguir seus sonhos e conquistá-los.
- Para onde você vai? – a voz rouca pelo sono ecoou pelo quarto e me fez estancar no lugar, virando apenas minha cabeça para encará-lo.
Há alguns meses, eu até voltaria e acaricia os cabelos bagunçados durante a noite, o rosto perfeito sem qualquer maquiagem e o peito magro, adornado com tatuagens. Na verdade, havia esta possibilidade dentro de mim, mas eu tinha que ser forte.
Segurei as lágrimas teimosas e virei meu rosto novamente, terminando de amarrar os cadarços dos meus tênis.
- O que está acontecendo, Jana? – Bill se levantou, expondo sua semi-nudez e caminhou até a mim, segurando meu braço de leve, congelando qualquer movimento meu.
- Sou eu que pergunto o que está acontecendo – rebati, temendo em olhá-lo diretamente nos olhos. – Sou eu que pergunto onde está aquele cara pelo qual eu me apaixonei, aquele cara que compunha e cantava músicas cheias de sentimentos, com o coração, que não tinha medo e nem vergonha de ser quem era – enumerei todas as coisas, vendo-o franzir o cenho, confuso, enquanto eu deixavas as lágrimas percorrem meu rosto, deixando-o vermelho, denunciando toda a dor acumulada.
- Eu ainda sou esse cara – tentou segurar meu rosto entre as mãos grandes e quentes. – Eu ainda sou o mesmo Bill. Acredite.
Sorri com tamanha hipocrisia e me afastei dele, com a visão embaçada pelo rio de lágrimas que se formava incansavelmente.
- Infelizmente, você não é mais – murmurei com a voz embargada. – E todo mundo já percebeu. Sua família, seus amigos, seu irmão – sequei as lágrimas mais teimosas rudemente. – Todos já notaram sua mudança drástica de comportamento Bill, e ninguém está satisfeito.
Ele voltou a se aproximar e segurou meus ombros com firmeza, encarando-me diretamente nos olhos, como pudesse ler a minha alma.
- E você, Janaína? Também vai se afastar? Vai voltar para sua cidadezinha medíocre com saudades daquele adolescente? – aumentou seu timbre de voz gradualmente, me deixando assustada. – Todo mundo acaba mudando um dia na vida. Não dá para ser o mesmo a vida inteira.
Tirei suas mãos de mim, enojada com aquele ser mesquinho e totalmente egocêntrico.
- Eu vou voltar porque eu não agüento mais! – gritei. – Vou voltar para onde eu nunca deveria ter saído se soubesse que a merda do futuro perfeito ao seu lado seria assim – confessei e o fitei de cima a baixo.
Bill manteve o olhar cético sobre mim. O olhar que te matava aos poucos, da forma mais dolorida possível. O olhar que carregava ódio, desprezo.
- Se quiser ir embora, vá. Eu não vou te impedir de nada – apontou para a porta atrás de mim com seu dedo longo e esguio. – Só não peça para voltar, dizendo que está arrependida.
O encarei incrédula, mas não surpreendida. Eu esperava que ele fosse orgulhoso e estúpido a este ponto, porém, ouvi-lo despejar estas palavras doía bem mais do que imaginar.
- Pode ficar tranqüilo quanto a isso – disse, sentindo aquele famoso nó na garganta. – Depois eu peço a alguém vir buscar meus pertences – virei-me e caminhei para aquela porta onde eu tantas vezes entrei e fui feliz.
De coração minúsculo e com o pouco orgulho que me restava.